O estrabismo das inglesas
"António pede-me crónica sobre a inglesa que está longe. António, o da perseverança, bem sabe que a inglesa um dia estará perto. Dele.
- E daí?, interroga-me, em desafio, o super-ego de António.
- Nada! António, responde-lhe, estranhamente modesto, o meu subdesenvolvido super-ego.
Agora, de homem para homem, que o mesmo é dizer de criança velha para criança grande, confesse-me uma coisa, António: como vai essa inglesa (porque se trata de uma bem concreta inglesa) no que respeita a estrabismo?
António não me responde. Pensará ele que o estrabismo é só um olho que manda o outro olho à fava? Não saberá que um dos encantos das «loiras filhas de Albion», como diz Chavão, é esse olho que elas põem em nós enquanto o outro olho divaga pelo infinito?
Ah! Não haver um Júlio Dinis moderno e sem pupilas que nos iniciasse no estrabismo das inglesas! Porque é esse, António, um dos maiores «ufes!» que elas podem dar. Olho em nós e, ao mesmo tempo, olho no infinito; olho na nossa cara (nós) e, simultaneamente, olho na nossa nuca (infinito)! Já teria sido você, António, enlaçado-largado por um directo-errabundo olhar inglês desses?
Não?
Que sorte o meu amigo teve!...
Se a espanhola é o andar, a inglesa é o olhar. Das espanholas, desses sinos moventes, tiveram nossos avós estendida experiência. Já a candura explosiva, a inocência incendiária das inglesas pôs menos fogos nos nossos relentos machistas. É que, dumas às outras, o passo é largo. Chama-se espiritualidade.
A inglesa que está longe não é - vejo-o agora! - uma pessoa dessas que ainda se dão ao luxo de ter biografia. A inglesa que está longe, caro António, é apenas o olho de inglesa que erra pelo infinito, quer dizer, que o olha a você na nuca. Falta-lhe ainda o olho que o olha de frente, que o olha patente. Só então terá você completado a sua inglesa, o estrabismo de eleição, em suma, a perfeição!
Defenda-se, António, da inglesa de olhar longe-perto! Pode ser a sua hora da verdade..."
Alexandre O'Neill, in "Já cá não está quem falou"
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