Back to the Future

Dedicara toda a sua vida àquele projecto.
Ainda jovem cientista, desde que descobrira um velho manuscrito de Da Vinci.
Tinha-lhe vindo daí a ideia.
Construir uma máquina de viajar no tempo.
Percorrer o espaço temporal nas duas direcções.
Ir ao Futuro buscar a cura para o cancro, para a sida.
Recuar ao Passado e ver, in loco, os torneios medievais, as espécies há muito desaparecidas.

Não aproveitara a juventude. Nada de festas ou de namoradas.
As horas passadas no laboratório ou embrenhado em livros velhos, na biblioteca.
Cálculos. Ensaios. Protótipos.
Fórmulas e desenhos. Teorias e modelos à escala.

Mas agora aproximava-se do fim.
O que procurara durante quatro décadas estava, finalmente, ao seu alcance.
As experiências com pequenas cobaias tinham resultado bem.
Era chegada a altura de fazer a primeira viagem no tempo com um ser humano. Ele próprio.
Ia entrar na História da Humanidade pela porta grande.
E, em simultâneo, recuperar todos os anos perdidos.

Iria ser rico, famoso e ter, de novo, 30 anos.
Só que, desta vez, rodeado de mulheres, de luxo; sem pensar mais em pesquisas.
Esta sua contribuição já era mais do que suficiente.
A vida, como era conhecida até hoje, iria mudar, radicalmente.

O aparelho era de uma , aparente, grande simplicidade.
Uma esfera translúcida. Um lugar no interior.
E depois toda uma panóplia de instrumentos que só ele entendia.
Sentou-se, ajustou bem o capacete superior, apertou os cintos de segurança.
Viu que se esquecera dos óculos, mas quem precisaria de tal coisa no auge de toda a pujança física e da juventude?
Acertou o manómetro da duração da viagem - 33 Anos.
A subtrair aos seus, envelhecidos e gastos, sessenta e três anos iria dar os tais míticos 30 anos.
Carregou no botão vermelho.
Sentiu um zumbido e desmaiou, envolto numa luz azulada.

Pareceu-lhe que a viagem durara décimas de segundo.
Saiu do aparelho, trôpego e vacilante. Pudera...
No brilho da esfera viu a sua imagem reflectida.
Um velho e alquebrado ancião de 96 anos.
Enganara-se no sentido da viagem. Estava no Futuro.
A síncope não lhe deu tempo para mais.

João Viegas, in "O Canto do Galo: Microcontos do Blog O Galo de Barcelos ao Poder"

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