Ao virar da esquina

Sempre o inesperado nos aguarda ao virar da esquina. Sabemos que assim é, e interrogamo-nos: que irá acontecer? Nada adianta tentar descobrir. Uma esquina é sempre uma aventura.
Até mesmo quando nada aparentemente surgiu, sentimos que alguma coisa de nós ficou para trás, e no novo e desconhecido caminho uma nova aventura nos aguarda.
Acontece, às vezes, um pouco antes da esquina, acudirmos à memória a vida que passou. Pessoas, acontecimentos, caminham connosco, acompanham-nos por breve espaço e revivem em nós, nítido, o tempo que ficou lá para trás, já nem sabemos de que esquina.
Suaves recordações? Amargas recordações? Seja como for. Fomos nós que o vivemos. Muito de nós ficou por lá em sofrimento ou em alegria. E tanto demos que elas voltam agora a dar-nos por sua vez alguma coisa de nós. Já não alegria e sofrimento. Mas esperança. Esperança de renovada coragem no novo caminho que nos espera para além da próxima esquina.
Estamos perto. Não tarda chegaremos. Como será o novo caminho? Igual ao anterior? Impossível. Não há dois caminhos iguais. Pior, melhor? Fácil e cómodo não será decerto. Nem o anterior o foi, nem nunca para os homems foram fáceis e cómodos os caminhos. Planícies, rios, florestas, montanhas, precipícios a vencer? É por lá que passam os caminhos dos homens. Por lá iremos. Que vá connosco a renovada esperança de que o caminho se torne cada vez menos difícil para todos. Mais digno de ser percorrido por todos.

Manuel da Fonseca in "O vagabundo na cidade"

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