Novas famílias

   "«A diversidade sexual contém comportamentos múltiplos, por vezes indefinidos e inexplicáveis», defende Natália:
   «O ser humano caminha para a androginia, daí a quebra da natalidade, resultante da sua evolução, daí também o reconhecimento de novos tipos de família, fora dos estereotipados modelos de homem-mulher, casamento-reprodução; novos tipos de família que não vão colidir com o modelo tradicional, pelo contrário, vão enriquecê-lo, pluralizá-lo reforçando o seu papel nuclear nas nossas relações.»
   A ciência, o conhecimento, favorecem essa abertura a um futuro diferente, a uma humanidade diferente - «onde os estados e as igrejas deixarão, finalmente, de meter-se, pois trata-se de assuntos do foro íntimo de cada um, que cada um deve gerir em liberdade».
   Natália, Amália, Amélia Rey Colaço, Fernanda de Castro, Maria Lamas, Vera Lagoa, Helena Vaz da Silva tinham (como Palmira Bastos, Irene Lisboa, Luzia Maria Martins, Natércia Freire, Sophia, Vieira da Silva, Laura Alves, Beatriz Costa) o mesmo húmus, a mesma força, a mesma energia. Ultrapassaram com largueza condicionalismos sociais, sexuais, culturais, comportamentais; fizeram-se mátrias-frátrias, mutantes de difícil, altiva, distinção.
   «Quando as mulheres são grandes, são superiores aos homens porque são mulheres e homens ao mesmo tempo. Isso dá-lhes sabedorias, recursos excepcionais», defende Natália Correia: «O mundo só se salvará se elas tomarem conta dele. O homem está cansado de ter de fingir que é homem. D. Juan é um impotente mascarado de fruidor. Segundo a biogenética, há uma tendência potencial para, no grande futuro que há-de vir, a junção dos sexos, isto é, para a androginia.»
   O célebre psiquiatra Eduardo Luiz Cortezão, assíduo no Botequim, secundava-a: «O homem actual está a viver uma crise de identificação masculina, com medo das mulheres e das disfunções sexuais secundárias. A violência é uma forma de ele descarregar a libido: bate em vez de amar; em vez da luta amorosa, a luta física. Os maus tratos que inflige às mulheres com quem vive, fenómeno entre nós medonho, não passa de um álibi (inconsciente) com que disfarça a sua falta de desejo por elas. Os jovens, por exemplo, rebentam coisas, carros, motos, pessoas, porque não podem rebentar hímenes.»
   Natália Correia provoca sensação ao falar num colóquio sobre homossexualidade. É a primeira vez, a seguir ao 25 de Abril, que o tema se aborda publicamente entre nós.
   As correntes mais jovens e literárias (anarquistas e independentes) esgotam o espaço, duas salas, um hall e uma escadaria, do Centro Nacional de Cultura.
   O êxito - a fazer lembrar o provocado pelas conferências de Almada, vestido de fato-macaco, no cinema que havia no outro lado da rua - torna-se retumbante."
 
Fernando Dacosta, in "O Botequim da Liberdade: como Natália Correia marcou, a partir de um pequeno bar de Lisboa, o século XX português"

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