O "Centrum" de nenhum

   "Dantes, só havia um Centrum. Era um multivitamínico para toda a gente.
   Entretanto, o Centrum complicou-se. No estrangeiro, há Centruns mais sectários: pré-natal, para o coração e para dar energia. Os Centruns para jovens com 49 anos ou menos podem tomar-se como líquido ou em pastilhas mastigáveis, que não precisam de água. As flavorburst são as mais apetitosas, largando xarope de fruta falsa na nossa cavidade bucal antes de reverterem ao sabor-padrão de cartolina salivada.
   Em Portugal, há um Centrum júnior para as crianças, sejam elas meninas ou meninos. Depois há um Centrum para as mulheres com menos de 50 anos e outro para as que têm mais de 50 anos. Idem para os homens.
   Há ainda dois vestígios de tempos mais inocentes: há o Centrum simplesmente Centrum, que não precisa de saber mais nada acerca de si para vitaminá-lo e mineralizá-lo. Caso tenha passado a barreira (fictícia mas deprimente) dos 49 anos, ainda há o Centrum Select 50 plus, sem discriminação sexual.
   A pergunta lógica é: quem é que deve tomar o Centrum normal? Não pode ser nem um júnior nem uma mulher adulta nem um homem adulto com menos ou mais de 50 anos. Quem é que fica? Ninguém. Será que é ninguém que deve tomar o Centrum que dantes era para toda a gente?
   Ou continuará, no fundo, a ser o melhor Centrum de todos para os seres humanos que não sabem (nem querem saber) a quantas andam? Quanto tempo faltará para os Cornflakes aprenderem as mesmas manhas?
   Mal posso esperar."
 
Miguel Esteves Cardoso, in "Público" (5/3/2015) 

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