Um rebanho sem pastor

   "Na aldeia de São Julião, para os lados de Penafiel, havia uma casa isolada onde morava sozinha uma senhora já de muita idade. Toda a sua vida, a tal senhora morou tranquilamente naquela casa, passando os dias na lavoura e as noites num sono profundo e reparador. Tão aprazível existência foi bruscamente interrompida quando um surpreendente rebanho de ovelhas sem pastor (pelo menos era o que parecia à primeira vista...) começou a rondar-lhe a porta.
   Segundo reza a história recolhida pela Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, o estranho cortejo aparecia sempre que a escuridão já ia alta e escusado será dizer que, a partir daí, as noites da pobre senhora deixaram de ser santas! Arreliada, perguntava-se de onde vinham e para onde iam aqueles animais que não pertenciam a ninguém e, disposta a pôr fim à situação, resolveu pedir conselho ao padre da freguesia.
   O pároco desvalorizou-lhe as visitas, dizendo-lhe:
   - Isso é tudo fruto da sua imaginação. Vá-se embora, durma descansada e não pense mais nisso. Vai ver que o rebanho não torna a passar...
   A velhota assim fez. Mas quando a noite chegou, enquanto fiava à lareira, ouviu bater à porta, algo que nunca antes acontecera. Pensando ser uma vizinha, mandou entrar a visita.
   - Entre!
   Do lado de fora responderam-lhe:
   - Mas não entro! - Então a senhora, intrigada e farta de tanto mistério, disse:
   - Hás de dizer-me quem és.
   Assim que a velhota proferiu tal ordem, já com um pingo de exaltação na voz, o inesperado visitante entrou mesmo e respondeu-lhe, apontando para as muitas ovelhas e carneiros que ficaram à porta.
   - Eu sou o diabo maior dos infernos e estes são os meus diabos mais pequenos.
   A partir dessa noite, diz-se para lá para os lados de São Julião, o diabo não largou mais aquela casa. Nem mesmo quando a sua proprietária morreu, pois aparentemente sentia-se confortável entre aquelas quatro paredes. É por isso que na aldeia, ainda hoje, os habitantes se previnem de convidados indesejados: «quando se ouve bater à porta, nunca se manda ninguém entrar sem perguntar primeiro quem é, pois pode ser o diabo a querer mudar de casa...»"

Vanessa Fidalgo, in "Histórias de um Portugal assombrado" 

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