Poema da Semana

Santo António de Lisboa
Era um grande pregador,
Mas é por ser Santo António
Que as moças lhe têm amor.

No dia de Santo António
Todos riem sem razão.
Em São João e São Pedro
Como é que todos rirão?

O manjerico comprado
Não é melhor que o que dão.
Põe o manjerico ao lado
E dá-me o teu coração.

O cravo que tu me deste
Era de papel rosado.
Mas mais bonito era inda
O amor que me foi negado.

O vaso de manjerico
Caiu da janela abaixo.
Vai buscá-lo, que aqui fico
A ver se sem ti te acho.

A abanar o fogareiro
Ela corou do calor.
Ah, quem a fará corar
de um outro modo melhor!

O manjerico e a bandeira
Que há no cravo de papel -
Tudo isso enche a noite inteira,
Ó boca de sangue e mel.

Se ontem à tua porta
Mais triste o vento passou -
Olha: levava um suspiro...
Bem sabes quem to mandou...

Manjerico que te deram,
Amor que te querem dar...
Recebeste o manjerico.
O amor fica a esperar.

Entreguei-te o coração,
E que tratos tu lhe deste!
É talvez por 'star estragado
Que ainda não mo devolveste…

Manjerico, manjerico.
Manjerico que te dei,
A tristeza com que fico
Inda amanhã a terei.

Tenho um livrinho onde escrevo
Quando me esqueço de ti.
É um livro de capa negra
Onde inda nada escrevi.

E ao acabar estes versos
Feitos em modo menor
Cumpre prestar homenagem
À bebedeira do cantor.

Fernando Pessoa, in "Quadras ao gosto popular"

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