Cuidado com o que se diz...

     "Era Verão, tinha eu cerca de dezanove anos e tinha acabado de regressar da Dinamarca, onde comprara uns típicos ganchos de cabelo da conhecida marca dinamarquesa Buch and Deichmann. Todos os dias apanhava os meus longos cabelos castanhos com pares dos referidos ganchos de todas as cores, a combinar com as cores das roupas que vestia. Tinha azuis, amarelos, vermelhos, brancos, cor de laranja e uns verde-esmeralda que eram os meus preferidos.
     Tinha começado recentemente a namorar com um rapaz por quem estava realmente apaixonada e todas as noites, depois da discoteca ou de uma bebida nos bares de Cascais, ele levava-me a casa e ficávamos a namorar dentro do Fiat 127 à porta de casa dos meus pais...
     Certa noite, no meio dos beijos apaixonados contra a janela do carro, solta-se um dos ganchos e desaparece. Estava escuro e por mais que procurasse não o encontrei. Fiquei com pena... Perdia o par, tinha risco ao meio e assim como iria apanhar o cabelo do outro lado? No dia seguinte, com a luz do dia, procurei de novo... Nada... Como é que um gancho desaparecia num Fiat 127?
     Nessa noite, depois de nova sessão de beijos e outras coisas dentro do carro, virei-me para o meu namorado e disse:
     - Eu hei-de virar este carro do avesso, mas hei-de encontrar o meu gancho! (Que fixação!)
     Na semana seguinte, decidimos ir até Espanha passar uns dias de férias. Lá fomos no Fiat 127 com um calor imenso a atravessar a Andaluzia (não tínhamos ar condicionado). Eu tinha tirado a carta há pouco tempo, mas estava com vontade de conduzir nas auto-estradas espanholas, pois nós por cá ainda não tínhamos muitas, estávamos no início dos anos oitenta...
     A dada altura, o meu namorado resolveu que eu tinha que pegar no volante, mesmo ali na serra, e não esperar por auto-estrada nenhuma, porque não era aí que se aprendia a conduzir...
     E assim foi... Peguei no volante a medo e lá fui muito devagarinho. «Mais rápido», dizia ele, «Ultrapassa! Não vou atrás desta camioneta até Sevilha...»
     E eu obedeci. Ultrapassei. Despistei. Capotei... E quando saí do carro estava o gancho verde caído na relva.
     Eu tinha de facto virado o carro do avesso e encontrado o gancho, mas poderia ter tido custos altíssimos, mesmo da própria vida...
     O Fiat 127, esse, foi directo para a sucata.

Cristina Campos (Lisboa), in "Histórias devida"
   

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