O ovo da Páscoa

"A galinha Balbina da minha vizinha nem podia ouvir falar da Páscoa. Mal ela se aproximava, a dona tirava-lhe os ovos para fazer folares.E os filhos, esses mariolas, iam à capoeira tirar ovos para pintar.
- Estou farta, farta, farta! - cacarejava ela para o galo Gonçalo. - Tanto quero uns pintainhos, mas como é que vou chocar? Podias dar uma picadela nesses ladrões de ovos.
Mas o galo continuava a cantar, fingindo que não ouvia. Bem sabia que, se entrasse em lutas com o bicho-homem, ia parar à panela.Ora certa manhã, justamente na semana da Páscoa, a galinha Balbina descobriu que a dona tinha trazido uma coisa esquisita no saco do supermercado. Por cima do pacote de arroz e do frasco de detergente, reluzia um ovo maravilhoso, todo dourado. Nunca vira coisa parecida.Que ave rara põe ovos assim? Nem galinha de aviário, nem pata, nem gansa. Talvez fosse da famosa galinha dos ovos de ouro.
E um pinto nascido de tal ovo devia ser todo de ouro...
Enquanto a minha vizinha Manuela foi buscar milho, a galinha empurrou para fora do saco aquele tesouro e fê-lo rebolar até ao ninho. Depois, sentou-se em cima dele e pôs-se a sonhar.
- Vou ter um filho lindo, lindo, lindo, de fazer inveja a toda a bicharada.
Um pinto de ouro. Há de vir gente de todo o mundo para o admirar. Toda a manhã Balbina aqueceu o ovo. Era meio-dia quando o sentiu rebentar.
- Que estranho! Os pintos levam 21 dias para nascer...
Levantou-se para admirar o seu bebé. Para sua surpresa, deparou com uma massa castanha, pegajosa, e, no que restava do ovo, viu um carrinho encarnado. Era o brinde-surpresa de ovo de Páscoa.
- Cacaracá! Cacaracá! - exclamou ela. - Venham ver, venham ver.
A galinha branca, a galinha ruiva e a sarapintada acorreram, curiosas. E abriram os bicos de espanto.
- Ah! - cacarejou uma.
- Um carrinho! Não sabia que os carros nasciam de ovos - cacarejou outra.
- Estamos sempre a aprender- cacarejou a terceira.
O galo Gonçalo aproximou-se, intrigado. Ao ver o pequeno automóvel, arregalou os olhos, ficou com as penas todas de pé.
- Afastem-se. Que perigo! Um carro!
A galinha bem queria adotar o carro. Era um filho bastante extravagante. Se calhar, só se alimentava a gasolina, o que era um problema. Mas paciência, iria todos os dias à estação de serviço buscar combustível. Mas o galo Gonçalo não permitiu. Quando crescesse, podia atropelá-los a todos. Cheio de coragem, pegou no objeto de plástico com a ponta do bico e carregou-o para bem longe.
- Cocorocó! Já vos salvei! - apregoou, aos quatro ventos, o fanfarrão. E continuou, muito convencido.
- Que seria desta bicharada sem mim?!
As galinhas é que não perderam tempo. Debicaram, gulosas, aquela massa castanha e descobriram, sozinhas, como é bom o chocolate."

Luísa Ducla Soares in "O livro das datas"

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