CONTO DE FADAS

   "Uma estrela cadente roçou por mim nessa tarde, incendiaram-se as sarças à beira do caminho e ouvi estouros e o fogo alastrou pelas bermas ainda há pouco verdejantes da estrada real.
   - Vem comigo, meu lindo desamparado, sempre triste, disse-me uma estranha criatura, muito alta, com longos cabelos louros e chifres na cabeça.
   Toquei-lhe os corninhos por curiosidade e ela disse-me:
   - Não mexas aí, é território sagrado.
   - Quem és tu, afinal?
   - Sou a fada má dos teus delírios.
   - E queres fazer-me mal?
   - Não, tu encantaste-me. Terás que te acautelar com a fada boa, porque está cheia de inveja.
   - Que é que me dás?
   - O que é que tu queres?
   - Quero um carro de desporto e a jovem que é para mim a beleza absoluta no ser humano.
   - E onde é que ela está?
   - No íntimo dos meus sonhos.
   - Como é que ela se chama?
   - Amor louco.
   A fada bateu com a varinha de condão numa rocha, da qual jorrou água muito pura, e da brancura do repuxo ergueu-se, límpida e nua, a rapariga perfeita, a sorrir-me, a minha ideia sublime de beleza.
   Agarrei-me a ela, quase a desmaiar de tanta felicidade.
   - Cuidado com a fada boa, está desesperada - disse-me ela.
   - Não te preocupes. Com o meu amor em mim, sou invencível."
 
Urbano Tavares Rodrigues, in "A imensa boca dessa angústia"

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