Os lugares de Arla Valerion

   "Os olhos de Aline cintilavam uma luz irídica de vislumbrar as paisagens que Arla Valerion descrevia com uma intensidade fulgurante. Aline fechou o livro e ficou a imaginar as viagens de Arla pelo enorme mundo. Como conhece imensamente, como é exuberante esta escritora.
   O livro tombou das mãos de Aline para o seu regaço e ali ficou humilde, calado. Mas na mente de Aline havia um burburinho fecundo, insistente, carregado de lugares onde a magia da natureza prevalece sobre todas as coisas. Aline queria ser como Arla Valerion, conhecer aqueles lugares luxuriantes, exprimir-se com o timbre da natureza, mas tudo o que Aline havia conseguido fora escrevinhar umas cartas de amor pouco voluptuosas, pouco aromáticas na tintífica fragrância. Ocorria-lhe agora que podia ter exprimido os seus sentimentos de uma forma mais apaixonada, mais romântica. E com as frases de Arla Valerion na memória, Aline chegou a acreditar que teria sido capaz. Mas agora era tarde.
   Aline perdera o seu noivo. Este casara-se com uma modelo que era neta dos Vargas e viera de visita aos avós. Casara-se assim de repente, sem sequer desfazer o noivado, e deixara Aline a desposar a solidão.
   Por isso Aline passou a ler muito. Frequentava amiúde os lugares de Arla Valerion e festejava a sua solidão com a ebriedade da escrita daquela autora arrojada.
   Os mistérios da escrita espicaçaram-na e Aline começou a escrever cartas que o seu amado, agora casado com outra, não chegaria nunca a ler. Descobriu que conseguia imprimir beleza às coisas sinistras como os morcegos e as noites sem luar. Descobriu também que podia viajar sem sair do seu quarto, percorrer os lugares misteriosos do seu sonho.
   Aline está agora a escrever o seu primeiro livro."

Pedro Águas, in "O velho caleidoscópio"

Comentários