Poema da Semana

"Areias em flor"

Aqui, à beira-mar, perto da minha casa,
Nestes dias de Julho e sob um sol de brasa,
Todo o areal floriu, maravilhosamente,
Em lírios brancos duma graça alvorecente.

A areia de oiro e sequiosa cintila!
A onda, desfranjando a túnica tranquila,
Nem vem matar-lhe a sede: é uma renda de espuma...
Cor de lilás, no poente, esvoaça uma bruma;
E o céu é azul, o mar é azul, e o vento apenas
O enruga, como um leve acariciar de penas...
Cada rocha refulge e é lisa como um crânio,
E este ruidoso mar lembra um mediterrâneo.
Com reflexos de esmalte e gorgorões ondeantes
À luz que jorra num dilúvio de diamantes.
E para além a duna estende-se em barrancos,
Com graça lunar dos frescos liríos brancos.

Em pleno exílio, em longa febre tormentosa
Que fontes haverá? Quem sabe se uma rosa
Não abriu uma vez a perfumar os gelos!
Nas minas há filões da cor dos teus cabelos,
Minha filha, que ris e enches tudo de amor!
Numa caveira nasce às vezes uma flor!...

Nas areias a arder, os lírios encantados,
Que parecem de luar, nem de leve crestados,
São como em nós a flor eterna de poesia,
Sempre s desabrochar na imensa ruinaria
De ilusões a cair, como princesas mortas...
E vós todos que amais, que ides bater às portas
De ferro, o olhar febril e o gesto agonizante,
Vinde ver este areal hostil e chamuscante

Como teve também um sonho prodigioso,
Um sorriso de luz de uma candura etérea,
Que a natureza tem para a maior miséria...
Vinde aprender a amar e a procurar na vida
A flor que ela nos tem quase sempre escondida;
Vede se há coração, por mais negro e fechado,
Onde não possa abrir esse lírio nevado,
- Que a própria areia cria, e a que o vento de Deus
Leva o perfume pelo mar e pelos céus.

Júlio Brandão in "Obras de Júlio Brandão"

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