Rabugice Abstrata

- Eu quero uma coisa concreta! - gritou o miúdo, enquanto se debatia com os trabalhos de casa.
- Concreta?! - admirou-se a mãe.
- Sim, preciso de quatro nomes concretos. Conheces algum? A mãe sorriu. O filho ficava sempre rebugento quando tinha de estudar coisas novas.
- Ora, então... - começou a mãe. - Tudo o que tens à tua volta é concreto: o lápis, a folha, a mesa, o teu quarto...
- Já chega - disse o miúdo, enquanto, com a língua de fora, escrevia depressa o que ouvira para não se esquecer.
- Espera! Tens de perceber o que são!
- Já percebi, não sou burro! São coisas assim... quer dizer... coisas que existem, que fazem parte da realidade... É isso, não é?
- É, muito bem! E quais são os outros?
- São os substractos.
- Não, filho, que disparate! São os abstractos.
- Ou isso, pois - disfarçou o miúdo. - Desses não sei nada.
- Então, é fácil. Os nomes abstractos não fazem parte da realidade que vemos, que existe. São acções, ou sentimentos, ou qualidades dos seres... percebes?
- Espera, espera! Acho que já percebi. Deixa-me ver se acerto: coragem... opinião... tristeza...
- Viste como sabias tudo o que precisavas? De que é que serviu tanta rabugice?
- Para pôr aqui - respondeu o rapaz, acrescentando aos nomes abstractos a sua rabugice!



Margarida Fonseca Santos in Chamem-lhes nomes!

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