Final In(esperado)

Era uma mulher confiante em si própria.
Adulta, madura, auto-suficiente, ou, pelo menos, assim se julgava.
E nada a surpreendia.
Há muito que o inesperado não existia para ela.
Começava a ler um livro e, a meio, já sabia como ia acabar.
Ia ao cinema e, pouco depois do genérico, já antevia como seria o final do filme.
Era assim nos negócios, nos casamentos dos amigos e, também, nas suas próprias relações.
Dias, horas, minutos, nos melhores casos, antes de as situações acontecerem, já ela pressentia o que se ia passar, ser dito, ocorrer de seguida.
Por isso, dizia que o inesperado não tinha lugar na sua vida.
Era como uma jogadora de xadrez, prevendo as futuras jogadas dos adversários, só que em vez de bispos, torres e cavalos, tratava-se de vidas, emoções, argumentos, afectos vários e, até, prognósticos políticos.
Por isso, quando, naquela noite, foi jantar com a sua conquista mais recente e esta lhe começou a falar do último carro que comprara, da sua performance no squash, das viagens e da futura promoção na multinacional onde trabalhava, ela teve uma sensação de déjà vu.
No final da refeição, adivinhou, com cinco minutos de antecedência o esperado "Que tal uma última bebida no meu apartamento?"
Uma qualquer desculpa serviu para ele a deixar à porta do seu condomínio de luxo, não sem antes ensaiar uma última tentativa.
"Nem me oferece sequer um café?" Previsível, de novo.
Sorriu-lhe, contrariada. O que ela dava para ser surpreendida...
Quando o porteiro lhe abriu a porta, ainda olhou para trás.
A sua companhia masculina, dentro do carro, disfarçava a decepção, girando o punho à altura do ouvido "Telefone-me, sim?" queria dizer ele, mais uma vez sem nada de original.
Pisou com firmeza o chão de mármore da recepção.
Subiu no luxuoso elevador, enquanto uma música, sem surpresas, ecoava no pequeno espaço.
Digitalizou o código de segurança e entrou no seu espaçoso loft.

Antes de conseguir acender a luz, sentiu o frio de uma lâmina, junto à garganta, e ouviu: "Se gritas, morres!"
O rosto iluminou-se-lhe, num sorriso largo.
Surpreendida, por fim.

João Viegas in O Canto do Galo: Microcontos do Blog O Galo de Barcelos ao Poder

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