O Príncipe da Magia

   "Gracindo era um sonhador.
   Imaginava e até vivia desvairados amores, muito sensuais, com adolescentes emancipadas e provocantes que, de espasmo em espasmo até ao delírio e à alucinação, lhe chamavam, o tratavam carinhosamente por príncipe da magia.
   O certo é que Gracindo, impulsionado por mais essa exortação, passou mesmo, da noite para o dia, a última fronteira e, tacteando o gelo das paredes rugosas, desembocou numa clareira de trémula luz azul e aí lhe colaram às costas umas asas de anjo cruel, dizendo-lhe: - Vais, podes semear ou dor ou a alegria, o mundo é agora o teu espaço de paixão, de loucura e de magia.
   O anjo do absurdo, sentia-se senhor do bem e do mal e dos destinos daquela pobre gente que, com seus vícios e virtudes, se atropelava nas ruelas escorregadias de uma cidade fantasma.
   Experimentara lançá-los uns contra os outros como marionetas de um jogo sulfuroso.
   Apeteceu-lhe transformá-los em porcos, touros selvagens e aves de rapina.
   Obedeciam-lhe cegamente, tinham subitamente garras e patas descomunais.
   Seguiam-no cegamente, mas às vezes estacavam e lutavam, devoravam-se uns aos outros.
   O príncipe da magia deitava-os ao desprezo, arredava-os com as botas cheias de puas.
   Experimentou de repente o desejo de salvar da doença e da morte crianças de um infantário, que iam envenenadas, a caminho de um hospital.
   Entrou na ambulância, sem o verem, abraçou-as e beijou-as.
   Estavam curadas e o príncipe da magia encontrou-se sentado, à beira de uma fonte de água muito límpida, num banco do mais lindo largo de Lisboa.
   E era Gracindo Candaes, chorando de felicidade, de amor universal."

Urbano Tavares Rodrigues, in Revista "O escritor" nº 2

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