UMA PERGUNTA...

     Era uma vez uma cabrinha que gostava muito de dar pulos. E andava sempre aos pulos por esses montes, saltitante e muito senhora de si. Os caminhos e as veredas por onde andava eram muito sozinhos e ela também.
     - Cabrinha - ouviu ela um dia quando dava mais um salto.
     Apanhou um grande susto porque se lembrou que ali podia haver adaptação da história do capuchinho vermelho, mas como era castanha a às malhas ficou mais descansada. E mais descansada ficou quando descobriu quem tinha chamado por ela. Era nada menos do que um cabritinho com olhos cor de mel centrifugado e que por isso mesmo começou a andar à volta da cabrinha e a exclamar:
     - Cabrinha, que bela és!
     E pediu-lhe namoro. Ela disse:
     - Daqui a uma semana, dou-te a resposta.
     E foi meditar para os montes. Agora, era só o coração dela a dar pulos.
     E como viu que eram bem dados, aceitou namoro ao cabritinho. Combinaram então ir pular juntos. E foram pulando, pulando, qual deles a pular melhor. Certo dia, lembraram-se de brincar à cabra-cega.
     A cabrinha até ficava muito bem com aquele lenço de verdura à volta dos olhos, tacteando para apanhar o cabritinho. E o cabritinho até parecia que tinha asas nas patas escapulindo-se e rindo alto e bom som. Acontecia isto numa clareira da floresta e eles nem se deram conta da aproximação de um velho bode que, com ar de censura, ficou atrás de uma árvore a espreitar aquelas delinquências juvenis. E assim os foi observando, até que a cabrinha fez batota no jogo e espreitou pelo lenço de verdura que lhe tapava os olhos. Não conseguiu esconder a sua surpresa quando viu na frente aquele bicho de barbas longas.
     Nunca tinha lido o Frei Luís de Sousa, mas, como já dissemos, sabia de cor e salteado a história do capuchinho vermelho e por isso achou-se na obrigação de perguntar:
     - Bisbilhoteiro, quem és tu?
     E o bicho, provavelmente avô dela, respondeu:
     - Eu sou o bode espiatório...

In "Pão com manteiga"

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