A amizade nas mãos

Há muitos, muitos anos na Terra, quando ainda os dinossauros iam beber água ao rio e se alimentavam de folhas frescas nas grandes florestas, nasceram duas árvores: uma linda cerejeira e um belo castanheiro. Cresceram juntas e fizeram uma grande amizade. Quando o vento passava por elas, os seus ramos e folhas tocavam-se como se quisessem dar as mãos. Um grande pinheiro, mais o velho da floresta, resolveu ser seu padrinho e deu-lhes o nome de Lá e de Pis.
Lá em cima no céu havia um facho de fogo muito irrequieto, de nome meteorito, que tinha fugido da casa do Sol e se entretinha a empurrar as estrelas e a queimar-lhes as pontas. Até que um dia o Sol, já cansado de tantas diabruras, o pôs de castigo, mandando para a Lua e ficando proibido de sair dali. Triste e zangado, olhava cá para baixo para a Terra cheia de azul dos mares e do verde das florestas.
E, quando descobriu a Lá e o Pis, ficou cheio de inveja daquela bonita amizade. Pensou, pensou, pensou e, numa noite escura, porque o Sol adormecera, o meteorito desceu da Lua até à Terra, em direcção à floresta, tão depressa que se transformou numa bola de fogo e atingiu as raízes do Pis, que tombou queimado e cinzento.
A Lá, embora um pouco chamuscada, ficou de pé, muito triste pela a perda do amigo. Aproveitava a água da chuva para a transformar em lágrimas, que caíam das folhas até ao chão. Nem os pássaros, que poisavam nos seus ramos a chilrear e abdicar as suas cerejas, a faziam sorrir.
Passaram muitos anos. O pó das montanhas trazido pelo vento foi cobrindo o tronco cinzento do Pis. Nasceram cerejeiras das sementes da Lá, que por sua vez se fizeram árvores grandes.
Ninguém mais se lembrou do Pis. Mas um dia vieram uns homens cavar o chão da floresta à procura de carvão, que é feito de árvores queimadas, e descobriram o tronco do Pis. Um deles, a quem o vento tinha soprado ao ouvido a estória da amizade entre as duas árvores, cortou um ramito da Lá, já muito velhinha, fez um furo muito redondo e fino no pauzito e meteu um pedacito de um ramo cinzento do tronco do Pis. Experimentou escrever na pedra de fogo que, com os anos, arrefecera e se tornara muito branca, tão arrependida ficara da sua maldade.
E o homem, juntando o nome das duas árvores amigas, escreveu: Lápis!
Nesse tempo, no tempo das fadas e das princesas, as pessoas escreviam com penas de pato, coisa muito dolorosa para os patos a quem arrancavam as penas. Mas a partir desta descoberta do homem deixaram os patos em paz e fizeram muitos lápis, quem ainda hoje servem aos meninos na escola.
E, quando estiverem a fazer os trabalhos na aula e em casa, os meninos e as meninas vão lembrar-se de que, na sua mão, a Lá e o Pis estão novamente juntos, naquela amizade bonita com o nome de Lápis.

 
Jerónimo de Sousa in "Contos pouco políticos"

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