Poema da Semana

Sim! Sou eu, o R-7,
Que fez o seu juramento
No dia doze de Agosto;
Que tem um morse nos olhos
E toda a Europa descrita
Nalgumas rugas perdidas
Pelo rosto...
Alta traição!
Se morro cheio de fome
Neste país sitiado!
O R-7 vendido!
O R-7 vencido
E julgado!
Eu não cheguei, camaradas,
Porque os meus passos
Davam em terra alheia e movediça...
Mas gastei toda a energia
Que trazia
No coração...
Nem falhei por covardia
Nem preguiça:
Falhei por condenação.
Digo-vos esta verdade,
Que é tão vossa
Como a Mulher é do Homem
Em certas horas danadas...
(Certas horas
em que as almas são geradas...)
É falso! É falso!
Juro-vos, Juízes!
Nada me prometeram nem pediram!
Quando cheguei,
Nem me patearam
Nem me aplaudiram.
Havia neles o sono dos cansados
E não me puderam ver...
Havia neles a Paz, e eu era Guerra
(Aquela Guerra de dentro,
que todo o Guerreiro traza
o nascer).
Então,
Como um louco, bati a cada porta
E em nome de Zaratustra
Falei da quimera morta
E da nova Ressurreição...
«E aqui há sentido»,
acrescentava.
Mas a Besta devorava
Palha... e grão.
Meu corpo foi o drama do mistério
Que é mistério
Mas que se quer revelar...
Foi tudo como se um morto
Quisesse ressuscitar...
Não! Nem fiquei adormecido
Entre as coxas de uma espia,
Nem me vendi;
nessa terra
Um homem como eu não se vendia!...
Seus olhos eram daqueles,
Que não olham para o Sol,
E eu cheguei de noite,
E nem assim!...
Agora, venha o desterro
Para as Sibérias da vida...
Já tenho a missão cumprida,
Já disse para que vim!

Miguel Torga

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