Poema da Semana

HINO À BELEZA

Virás do céu profundo ou surges do abismo,
Beleza?! o teu olhar, infernal e divino,
Gera confusamente o crime e o heroísmo,
E podemos, por isso, comparar-te ao vinho.

Conténs no teu olhar o poente e a aurora;
Expandes os teus odores qual noite de trovoada;
Teus beijos são um filtro e uma ânfora, a boca,
Tornando o herói cobarde e a criança arrojada.

Vens da treva mais negra ou descerás dos astros?
Encantado, o Destino é um cão que te segue;
Semeias ao acaso alegrias, desastres,
E por dominares tudo é que nada te interessa.

Caminhas sobre os mortos, que são o teu gozo;
Das tuas jóias, o Horror é das que mais fascina,
E entre tais enfeites, o próprio Assassínio
Vai dançando feliz no teu ventre orgulhoso.

O insecto, deslumbrado, procura-te a chama,
Arde, crepita e diz: Benzamos esta luz!
O apaixonado trémulo, aos pés da sua dama,
Parece um moribundo a afagar o sepulcro.

Mas que venhas do céu ou do inferno, que importa,
Beleza! monstro ingénuo, assustador, excessivo!
Se o teu olhar, teus pés, teu riso, abrem a porta
De um Infinito que amo e nunca conheci?

De Satanás ou Deus, que importa? Anjo ou Sereia,
Se tu tornas - ó fada de olhos de veludo,
Ritmo, perfume, luz, ó rainha perfeita! -
Mais leve cada instante e menos feio o mundo?

Charles Baudelaire (1821-1876), Poema escolhido por Eduardo Lourenço, in "Os Poemas da minha vida"

“O filósofo e ensaísta Eduardo Lourenço, aos 88 anos e com uma vasta obra publicada, foi distinguido com o Prémio Pessoa 2011. A atribuição do prémio justifica-se pelo seu importante papel de intérprete da identidade portuguesa numa projecção internacional, e pela sua generosidade e modéstia com que sempre partilha os seus pensamentos na área dos Estudos Portugueses e Pessoanos, contribuindo para uma nova visão cultural, ética e cívica da sociedade do nosso tempo.”

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