"(...) A recordação gosta do jogo das escondidas das crianças. Entrincheira-se. Tende para as belas palavras e gosta do adorno, muitas vezes sem fazer esforço. Contradiz a memória, que se dá ares pedantes e embirra em ter razão. Quando é importunada com perguntas, a recordação assemelha-se a uma cebola, que quer ser descascada, para que possa vir à luz aquilo que é legível, letra a letra: raramente de forma unívoca, muitas vezes como escrita em espelho, ou de qualquer outro modo cifrado. Por debaixo da primeira, ainda seca e estaladiça casca, encontra-se a camada seguinte, a qual, mal retirada, liberta, húmida, uma terceira, sob a qual a quarta e a quinta esperam e sussurram. E cada uma das seguintes transpira palavras evitadas por demasiado tempo, sinais tortuosos também, como se um vendedor de segredos tivesse, desde cedo, quando a cebola ainda germinava, querido cifrar-se. Logo desperta a ambição: estes gatafunhos têm de ser ...