"Falar sozinho. Ir pela rua, a falar com ninguém e com todos. Fazer parte do mundo, chamar o mundo para a vida, conseguir que nos oiça. Dizer, público e raso, o que se não disse na intimidade. Fazer contas à vida e proclamar apenas os resultados, as consequências, as decisões. Falar com ninguém e com todo o mundo, pelas ruas da cidade... Assim o homem que vem, passeio fora, e diz inesperadamente: «Pode lá ser!... Pois se eu penso que...» E a artista dos teatros ligeirinhos do Parque, agora gloriosa e derrotada, que põe a mão no peito, de cansaço, ao subir o Chiado, e murmura: «Isto de a gente envelhecer...» E eis aqui o poeta a compor pedaços de futuros poemas, sem editor que se saiba, e a declamá-los, em pleno dia, às sereias de bronze dos lagos do Rossio. «Ah, se eu voltasse atrás!», reprova-se aquele velho, e logo se encoraja: «Não. Ainda é tempo de fazer o que se deve». Que foi que ele não fez? Falar sozinho... Até os que vão calados falam...