Os cachimbos segundo a minha filha
Sentei-me no chão e disse:
- Hoje não vou escrever, hoje vou desenhar. Ao meu lado já tinha a caixa de lápis-de-cor e um bloco com folhas de bom papel para um bom desenho. E comecei a trabalhar. Mas acabei por ficar mal-humorado. Porquê? Já se vê: os desenhos que fiz eram três e eram péssimos. Caramba, disse em voz alta, que miséria, eu tinha querido desenhar alguns dos meus muitos cachimbos e, em vez de cachimbos, saíram-me uns bichos com grandes cabeças, nunca vistos. Coisa tão engraçada, os cachimbos de várias formas, e eu nada, a desenhá-los sem talento, sem arte, sem jeito.
Nunca vos falei da minha filha, Francisca. Por acaso hoje, sábado, não há escola - e quando viu os meus desenhos riu-se e disse que o melhor seria deitá-los fora no cesto dos papéis, ou reciclá-los, ou usá-los para embrulhar o lanche, uma vez que à tarde iríamos juntos ao Parque dos Moinhos.
- Também não farias melhor, disse-lhe eu.
- Também não faço melhor, pai, disse ela, mas vou fazer uma redacção sobre os teus cachimbos.
O meu pai sabe muitas coisas e também tem muitas coisas. De algumas delas já ele falou. Mas o pai esqueceu-se de falar dos cachimbos. Vou contar quantos tem. Um momento, volto já. Já voltei, já contei, tem 32 cachimbos, tantos quantos os dentes que eu deveria ter. Cada cachimbo é diferente, a maioria é de madeira. Entre eles existe um que é branco, pintado, de porcelana, que era do avô da avó, e depois outro agora mais sujo, de espuma do mar, pelo menos é o que o pai diz. Gostava muito que vocês vissem os cachimbos todos. Há um magrinho e elegante, que parece o pescoço de um cisne preto, há outro gordo que parece a tia Filomena, há um que é pequenino, como se fosse para mim, mas as crianças não fumam, aliás o meu pai também deixou de fumar, por causa do coração. Fuma só de vez em quando, quando se sente muito bem ou se o jantar for muito bom ou se há uma festa de família.
Sei que quando se sujam, os cachimbos, têm de se limpar com instrumentos especiais que se chamam limpa-cachimbos.
Eles entram no buraquinho da boquilha e saem pelo fornilho. Os limpa-cachimbos são brancos e peludos e até de outras cores; mas, seja qual for a sua cor, depois de passarem pelo buraquinho ficam sujos por terem limpado o xixi-cócó que resta no cachimbo depois de se fumar com ele.
A minha mãe diz que é bom o meu pai não fumar mais, mas ao mesmo tempo diz que tem um pouco de pena porque o tabaco que o meu fumava cheirava muito bem, era muito agradável e perfumado.
Agora os cachimbos estão pendurados na parede, em silêncio, no escritório do meu pai, como se estivessem no Museu.
Jorge Listopad in "Todos p'rà mesa"
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