O riso e o choro

«Ho-ho-ho/ ho-ho-ho/ ho-ho» - digam-no comigo e com este ritmo. Esclareça-se: Cocó ria assim; mas não, quem deve ter rido assim era Ranheta porque os Cocós não costumam rir-se e os Ranhetas sim. Facada não estava presente.
Ao longo do parque de Chotek, arrastávamos numa carroça todas as nossas roupas, alguns livros, um globo escolar. Fazíamos a mudança de um apartamento ilegal para outro, nesse momento mais seguro. Contando com Facada, todos juntos somávamos cerca de sessenta anos, e assim, vestidos como carregadores, nunca ocorreria aos homens da Gestapo que não tivéssemos os documentos em ordem. Estava-se no ano 41 ou 42; sim, era o Outono de 42, Setembro ou Outubro. No parque de Chotek as folhas caíam, a terra estava atapetada com elas, nós não tínhamos tempo para líricas, mas lá que essa lírica existia algures existia, embora sem nós. Por isso quando o eléctrico 22, que descia devagar pelas curvas até Klárov, até ao asilo dos cegos, tocou a campainha, empurrámos a carroça para o passeio oposto, fizemos continência ao condutor  e depois de o eléctrico passar, regressámos ao meio da rua e continuámos. Se quiserem saber, à nossa volta, só horror e medo da morte. Cocó tinha apenas uma luva, esburacada, e Ranheta nenhuma, Facada, esse esperava por nós na nova casa, no bairro da Malá Strana.
Lembrei-me desse «ho-ho-ho / ho-ho-ho/ ho-ho», no final de Dezembro de 89, no táxi que me trazia de Ruzyn, para Praga, onde eu não tinha posto um pé durante 43 anos e alguns meses. Como não tinha tido tempo de trocar dólares, tudo fora demasiado rápido, uma jornalista francesa do Le Figaro levava-me no seu táxi. E passávamos justamente por ali, por baixo do parque de Chotek.
Eu chorava como uma Madalena nesses lugares onde outrora ríamos, «ho-ho-ho», quem ria era Cocó mas bem podia ter sido Ranheta ou Facada. Cocó morreu num campo de concentração, Ranheta posso ser eu e Facada, esse, dentro em breve espero vê-lo na Praga livre. Eu chorava e envergonhava-me um pouco das minhas lágrimas à frente da jornalista francesa que queria saber a razão delas, mas eu soluçava, incapaz de um esclarecimento coerente.
O paradoxo onde está? É que ao puxarmos a carroça apetecia-nos chorar e ríamos, e agora, a descer para Praga num táxi rangente, devíamos rir e chorávamos.
«Ho-ho-ho/ ho-ho-ho/ ho-ho», repitam lá comigo.
Fevereiro 1999

Jorge Listopad in Em Chinatown com a Rosa

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