Quando eles nos deixam
"Entro na sala, e é como se tudo faltasse só porque ele falta.
Desde ontem que ando para aqui sem saber o que fazer, abro portas, fecho portas, olho em redor, como se isso chegasse para o fazer voltar a casa.
Foi a primeira vez que passou a noite fora. E sem aviso.
Ligo às minhas amigas, na tentativa de um consolo, de uma palavra de conforto. Para isso é que se inventaram as amigas.
Nada feito. Riem-se de mim. Deve ser a isto que se chama «solidariedade feminina».
- Cinco anos, dizes tu? Aguentou cinco anos? Meu Deus, mas isto é uma eternidade! O meu não aguentou nem dois!
- E o meu? Ao fim de um ano, adeusinho!
Estremeço.
Nem me passa pela cabeça que ele não vai voltar. Elas voltam a rir.
- Até pode ser que volte, não digo que não, mas vais ver, nunca mais se entendem... Vem mudado, com uma linguagem diferente...
Desligo o telefone.
A minha filha também não me ajuda:
- Ó mãe, não penses mais nisso, procura mas é um novo...
- Tu não me digas uma coisa dessas! Ele vai voltar.
- Isso é o que dizem todos.
Tento ocupar o tempo - mas sem ele é impossível. Sem ele não consigo ouvir música. Nem ler um jornal. Nem partilhar histórias.
De cada vez que olhava para ele, tinha a certeza de que havia de viver o resto da minha vida ao seu lado.
A minha filha ria-se, porque esta tinha sido uma relação assumida muito tarde.
- Quem te viu e quem te vê... - murmurava ela. - Ao princípio, quando toda a gente te falava nele, zangavas-te, juravas que nunca iria entrar na tua vida... E agora...
E agora - oh felicidade! - ouço a campainha da porta, é ele que volta, eu tinha a certeza.
Reconheço-o imediatamente, ainda antes de abrir a porta do elevador, e a minha vida volta a ter razão de ser, enquanto oiço a voz do homem que me diz:
- Prontinho, aí o tem de volta, formatei-lhe o software, instalei-lhe mais uns programas, mais um antivírus profissional, e está com três gigas. Com as deslocações, são cento e setenta euros, mais IVA."
Alice Vieira, in "O que se leva desta vida"
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