BIPOLARIZAÇÃO

   "Bipolarização.
   Há pessoas que fecham sempre o tubo da pasta dentífrico e há outras que nunca o fazem. (Um amigo meu, agora professor da Universidade da Pensilvânia, pediu divórcio por causa disso; claro, era ele que fechava o tubo).
   Há os que começam as frases com «portanto» enquanto outros dizem «portanto» apenas nas frases conclusivas.
   Há países onde se sabe filmar e há outros onde se fazem filmes de arte.
   Bipolarização.
   Há «alguém (que) pelas ruas sonha» (Sá de Miranda), há outrem que é prudente.
   Há ofícios que têm ossos, outros que têm espinhas.
   Não há quem não seja malandro, diz o malandro, há em todos o lado bom, diz outro malandro.
   Bipolarização.
   Há conservadores-revolucionários (Almada Negreiros, por exemplo), há revolucionários que são conservadores (tantos). Falo, naturalmente, no domínio da arte.
   Há quem faça teatro em Portugal por carolice, há outros que se tomam a sério.
   Há uns que contam «Era uma vez...», há outros que presumem que há muitas vezes.
   Bipolarização.
   Há uns que dizem: «Vi com os meus próprios olhos.»
   Há outros que não dizem nada porque vêem pelos olhos dos outros.
   Li algures que alguns têm medo do sonho por causa da realidade e que há outros que têm medo da realidade por causa do sonho.
   Tocqueville afirmou que existe grande diferença entre os que amam a liberdade e os outros que apenas detestam o amo.
   Depois das eleições uns compraram todos os jornais, outros leram A Bola.
   Bipolarização.
   Há quem me leia, há quem não mje leia."

Jorge Listopad, in "Fruta trocada por falta de jardineiro"

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