Vou ali comprar cigarros

     Quando se conheceram ela tinha deixado de fumar. Ele, não fumava. Mas, precisamente nesse dia, apeteceu-lhe violentamente um cigarro. Ele, solícito e sem ela perceber como, conseguiu satisfazer-lhe o desejo. A partir desse dia era ele quem comprava os cigarros, e trazia sempre dois ou três consigo. Para quando lhe apetecesse a ela.
     Viviam muito interessados um pelo outro. Os desejos de um eram ordens para o outro. Tinham encontrado uma vida em comum que fluía de uma forma natural e cúmplice. Os únicos obstáculos que enfrentavam eram exteriores a si próprios. Tinham aprendido com outras relações a só dar importância ao importante. Gostavam de muitas coisas comuns, mas também gostavam de muitas coisas de que o outro não gostava. Os amigos sentiam-se bem com eles.
     Aquilo a que se chama um projecto de vida, eles não tinham. Há muito que tinham passado, noutras relações, pela compra da primeira casa, pelo nascimento de filhos, pela compra da segunda casa, pelo nascimento de netos; as carreiras estavam agora estabilizadas. O que os unia era de facto esse interesse em serem felizes e em fazerem o outro feliz.
     Desde que fizeram a primeira viagem juntos, sem confessarem um ao outro que era para testar se a relação podia funcionar, todos os anos faziam uma a duas viagens. E viam o que os outros não viam. Um museu fora de roteiro, galerias emergentes, travavam conhecimento com locais, faziam amigos. Sempre fora dos circuitos turísticos.
     Numa dessas viagens, após o último almoço numa esplanada, tinha-lhe apetecido fumar. Mas desta vez ele não conseguiu encontrar-lhe tabaco. Já no aeroporto de regresso, e com tempo para um cigarro na rua, cgarro esse que ela já tinha esquecido, diz-lhe ele: "vou ali comprar cigarros". Ela esperou junto da bagagem.
     Ele, não voltou. Ela, nunca mais fumou.

Dalila Pinto de Almeida, in "O Canto do Galo: Microcontos do Blog O Galo de Barcelos ao Poder"

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