Carta de Mariana Alcoforado
Que há-de ser de mim? Que queres tu que eu faça? Estou tão longe de tudo quanto imaginei! Esperava que me escrevesses de toda a parte por onde passasses e que as tuas cartas fossem longas; que alimentasses a minha paixão com a esperança de voltar a ver-te; que uma inteira confiança na tua fidelidade me desse algum sossego, e ficasse, apesar de tudo, num estado suportável, sem excessivo sofrimento. Tinha até formado uns vagos projectos de fazer todos os esforços que pudesse para me curar, se tivesse a certeza de me haveres esquecido por completo. A tua ausência, alguns impulsos de devoção, o receio de arruinar inteiramente o que me resta de saúde com tanta vigília e tanta aflição, as poucas possibilidades do teu regresso, a frieza dos teus sentimentos e da tua despedida, a tua partida justificada com falsos pretextos, e tantas outras razões, tão boas como inúteis, prometiam ser-me ajuda suficiente, se viesse a precisar dela. Não sendo, afinal, senão eu própria o meu inimigo, não podia suspeitar de toda a minha fraqueza, nem prever todo o sofrimento de agora.
Ai, como sou digna de piedade por não partilhar contigo as minhas mágoas, e ser só minha a desventura! Esta ideia mata-me, e morro de terror ao pensar que nunca te houvesses entregado completamente aos nossos prazeres. Sim, reconheço agora a falsidade do teu arrebatamento. Enganaste-me sempre que falaste do encantamento que sentias quando estavas a sós comigo. Unicamente à minha insistência devo os teus cuidados e a tua ternura. Intentaste desvairar-me a sangue-frio; nunca olhaste a minha paixão senão como um troféu, o teu coração não foi verdadeiramente atingido por ela. Serás tão infeliz, e terás tão pouca delicadeza, que só para isso te servisse o meu ardor? E como é possível que, com tanto amor, não te houvesse feito inteiramente feliz? Tenho pena, por amor de ti apenas, dos infinitos prazeres que perdeste. Será possível que não te tenham interessado? Ah, se os conhecesses, perceberias, sem dúvida, que são mais delicados do que o de me haveres seduzido, e terias compreendido que é bem mais comovente, e bem melhor, amar violentamente que ser amado.
Não sei o que sou, nem o que faço, nem o que quero; estou despedaçada por mil sentimentos contrários. Pode imaginar-se estado mais deplorável? Amo-te de tal maneira que nem ouso sequer desejar que venhas a ser perturbado por igual arrebatamento. Matar-me-ia ou, se o não fizesse, morreria desesperada, se viesse a ter a certeza que nunca mais tinhas descanso, que tudo te era odioso, e a tua vida não era mais que perturbação, desespero e pranto. Se não consigo já suportar o meu próprio mal, como poderia ainda com o teu, a que sou mil vezes mais sensível? Contudo, não me resolvo a desejar que não penses em mim; e confesso ter ciúmes terríveis de tudo o que em França te dá gosto e alegria, e impressiona o teu coração.
Não sei porque te escrevo: terás, quando muito, piedade de mim, e eu não quero a tua piedade. Contra mim própria me indigno, quando penso em tudo o que te sacrifiquei: perdi a reputação, expus-me à cólera de minha família, a severidade das leis deste país para com as freiras, e à tua ingratidão, que me parece o maior de todos os males. Apesar disso, creio que os meus remorsos não são verdadeiros; do fundo do meu coração queria ter corrido ainda perigos maiores pelo teu amor, e sinto um prazer fatal por ter arriscado a vida e a honra por ti. Não deveria oferecer-te o que tenho de mais precioso? E não devo sentir-me satisfeita por ter feito o que fiz? O que me não satisfaz, pelo menos assim me parece, é o sofrimento e o desvario deste amor, embora não possa, pobre de mim!, iludir-me a ponto de estar contente contigo. Vivo - que infidelidade! - e faço tanto por conservar a vida como por perdê-la! Morro de vergonha! Então o meu desespero está só nas minhas cartas? Se te amasse tanto como já mil vezes te disse, não teria morrido há muito tempo? Enganei-te, és tu que deves queixar-te de mim. Ah, porque não te queixas? Vi-te partir, não tenho esperança de te ver regressar e no entanto respiro. Atraiçoei-te; peço-te perdão. Mas não, não me perdoes! Trata—me com dureza. Que a violência dos meus sentimentos te não baste! Sê mais exigente!
Ordena-me que morra de amor por ti! Suplico-te que me ajudes a vencer a fraqueza própria de uma mulher, e que toda a minha indecisão acabe em puro desespero. Um fim trágico obrigar-te-ia, sem dúvida, a pensar mais em mim; talvez fosses sensível a uma morte extraordinária, e a minha memória seria amada. Não é isso preferível ao estado a que me reduziste?
Adeus. Era melhor nunca te ter visto. Ah, sinto até ao fundo a mentira deste pensamento e reconheço, no momento em que escrevo, que prefiro ser desgraçada amando-te do que nunca te haver conhecido. Aceito, assim, sem uma queixa, a minha má fortuna, pois não a quiseste tornar melhor. Adeus: promete-me que terás saudades minhas se vier a morrer de tristeza; e oxalá o desvario desta paixão consiga afastar-te de tudo. Tal consolação me bastará, e se é forçoso abandonar-te para sempre, queria ao menos não te deixar a nenhuma outra. E serias tão cruel que te servisses do meu desespero para te tornares mais sedutor, e te gabares de ter despertado a maior paixão do mundo? Adeus, mais urna vez. Escrevo-te cartas tão longas! Não tenho cuidado contigo! Peço-te que me perdoes, e espero que terás ainda alguma indulgência com uma pobre insensata, que o não era, como sabes, antes de te amar. Adeus; parece-me que te falo de mais do estado insuportável em que me encontro; mas agradeço-te, com toda a minha alma, o desespero que me causas, e odeio a tranquilidade em que vivi antes de te conhecer Adeus. O meu amor aumenta a cada momento. Ah, quanto me fica ainda por dizer..
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